Sessentamos
Benza Deus! Desembestou de vez, agora é um atrás do outro, chega a embolar o meio de campo, mas não tem problema não, todo tanto de aniversário é pouco, que venha você também meu tão aguardado sexagenário, seja bem-vindo! A casa é sua! É uma honra recebê-lo! Se por mérito ou demérito, não sei, o importante é que até aqui chegamos.
Sinto-me pequenito diante de sua imensidão. Mas nunca foi diferente nessa longa e dolorosa travessia onde eu nasci, cresci e me transformei no que sou. Tive o livre-arbítrio para me construir e ser o que sou; se valho ou não valho alguma coisa, a culpa é minha. Confesso que tive imensa dificuldade de processar, hierarquizar e armazenar o bombardeio de informação vindo de todos os sentidos durante toda essa caminhada. Perdi tempo precioso lustrando idéias que não serviram para nada. Queimei imensa energia defendendo com unhas e dentes valores que depois mostraram-se inócuos.
Esse sou eu, caro amigo, moroso nas conclusões, que gastou grande parte de Vossa Excelência para entender as coisas simples do dia-a-dia, e você nunca reclamou. Eu poderia ter simplificado a vida, seguindo os manuais de boas maneiras que à toda hora alguém tentava enfiar -me goela abaixo, mas não podia aceitar, eu tinha uma vida, sabe, a única coisa que me restara, e tinha que cuidá-la com esmero, carinho e conduzi-la conforme minhas convicções, meus sentimentos, minhas experiências e não com base nas experiências de outrem.
Em momento de fraqueza me flagrava moldando-me aos padrões vigentes para atenuar o sofrimento, mas me envergonhava e me recolhia na mais profunda reflexão para descobrir as causas. Eram muitas, e eu tinha que ser forte, mesmo quando as esperanças me abandonavam. Por ninguém aceitar de bom grado essa minha decisão, passei a carregar o mundo sozinho nas costas. Comecei a levar porrada de todos os lados. Apanhei muito. Êta como apanhei, meu velho amigo, mas não lamentava, nem pedia para que parassem de bater, minha fome voraz pelo desconhecido não me permitia. Eu tinha pressa, havia muitas coisas para descobrir, muito chão para andar e temia faltar tempo para tudo isso.
Procurei ser forte o tempo todo, mas um dia, de pouco entusiasmo, diminui o ritmo e tentei barganhar as pauladas que recebia, é que alguém estava acertando demais o pé da broca da minha orelha e doía muito, não obtive êxito, eles eram irredutíveis.
Mas, felizmente, com o decorrer do tempo fiquei calejado, as pancadas já não doíam tanto, o medo passou a cair por terra junto com os pesados fardos de culpa que se espalhavam pela estrada. Livre desse peso sentia-me mais leve, logo passei a ganhar velocidade, fiquei tão veloz que um determinado dia consegui lhe acompanhar, meu amigo tempo, foi maravilhoso, nesse dia me deparei com o infinito e o mundo se deslumbrou pra mim, meu corpo ficou tomado de energia, minha mente de luz, a vida transbordou, nesse dia vi Deus, não me contive de emoção, eram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, os segredos iam se revelando, as dúvidas se dissipando e as verdades surgindo. Somente um corpo energizado e a mente iluminada para metabolizar tantas verdades, tanto contentamento. Para um garimpeiro que, sequer, encontrou uma pepita da verdade, de repente se depara com um feixe delas, é muita glória.
Foi esplendoroso! O mundo ficou claro, limpo, e silencioso, e na infinitude desse silêncio Deus resplandeceu, tudo tomou nova dimensão, foi extasiante. Ele estva ali, receptivo, acolhedor, sem privilegiar ninguém, com uma simplicidade impressionante. Ele sempre esteve ali, do outro lado da muralha de idéias, abstrações e conceitos vagos construído pela humanidade ao longo da história.
Para chegar até Ele é preciso encontrar energia suficiente para perfurar esse paredão de teorias ideológicas que se formou ao seu redor. Se quiser vê-Lo, o caminho é único; o que há dentro de si. E a pessoa conta com única ajuda; do tempo, do tempo que lhe foi dedicado, se gastar com futilidades a chance diminui. É preciso perseverar para não ceder as tentações de moldar-se aos padrões vigentes para ser aceito no seu rol de amizade. Tem que ter a consciência de quem segue esse caminho nunca será bem quisto na sociedade.
Terá que abdicar-se do passado, romper com o conhecido, duvidar e questionar tudo e todos, especialmente, os ensinamentos recebidos. Terá que encontrar força suficiente para destruir todos os conceitos impregnados na consciência e começar tudo da estaca zero, se quiser ver Deus. Se não persistir, nunca ficará frente a frente com o Criador e terá que se contentar com as imagens, idéias frias, velhas e surradas daquilo que dizem Ele ser, e com os que se intitulam representantes.
Foram essas são as conclusões que tirei da minha viagem sexagenária. Hoje comemoramos 60 anos de vida; eu e o meu amigo inseparável, companheiro de luta e de todas as horas; o Sr. Tempo! Sessentamos! Louvado seja Deus por manter nossa amizade para que a morte não nos separe. Por permitir chegarmos até aqui, e por ter feito valer a pena o meu pelejar. É isso!
Vitória da Conquista-Bahia 31 de agosto de 2013. |